Contou as
horas para vê-lo. Na cama, abraçou-se a si mesma e se enrolou na coberta
sentindo o cheiro de alfazema no travesseiro, acabou sonhando que ele a
acordava com um beijo no rosto. No café da manhã comeu ovos com queijo e suco
verde, ouviu Beatles e a música, Hey Jude, escutou-a umas cinco vezes seguidas
ao mesmo tempo em que se lembrava da noite em que estavam jantando à Beira Mar
e ele disse que era muito importante que tivessem uma música e que já havia
decidido qual seria. Ela disse que não gostava de Beatles, que Hey Jude era na
verdade uma alusão à heroína, que era só notar quando na letra se dizia “the
minute you let her under your skin, then you
begin to make it better”… E não o convenceu de que Beatles usava quase
sempre em suas músicas, algum tipo de metáfora para fazer apologia às drogas, e
então acabou sendo essa a música deles mesmo, pois afinal de contas, Hey Jude
era uma música bonita se ela fosse levada em consideração justamente por esse
sentido. Colocou um vestido preto e calçou tênis plataforma. Com protetor solar
no rosto sardento, passou a encarar o sol de outono nas ruas apavoradas da
metrópole. Com o pouco dinheiro que lhe sobrava do mês, pagou o Uber e desceu a
serra do mar em direção à casa de veraneio que ficariam no final de semana. O
cheiro da mata úmida e verde do morro lhe dava um gosto inédito a cada vez que
descia a serra, dava vontade de adentrar a mata e comer a relva até se tornar
aquele cheiro forte e enebriante. Novamente pensava nele e sorria gostoso um sorriso
doce e aberto, da largura do amor que suspira no ar. Ele abriu a porta e a
tomou pelos braços. Não havia cobranças, só confiança, ternura e paixão a dois.
“O que você vai querer hoje?” Ele perguntou. “11, e você?””14”. “Ainda faltam
423 que não testamos”. Disse ela mordendo seu pesoço. “Teremos a vida toda para
isso”. “A vida toda? Isso não é muita coisa?” Perguntou. “Não é muita coisa
para quem vai passar a vida toda juntos. Queria te perguntar. Você aceita se
casar comigo?” 423 era o número de posições do Kama Sutra que ainda não haviam
provado. Eles eram um casal tedioso, como qualquer outro, entre idas e vindas,
desapegos, dissabores, descompromissos, desimportâncias. Nunca haviam se levado
a sério, diziam um a outro que namoro ou casamento estragaria qualquer tipo de
relacionamento, que encontros casuais era o que bastava. Até que ela propôs o
Kama Sutra, ele ficou apavorado, nunca alguém tinha feito proposta assim tão
competente, será que ela estava falando a verdade mesmo? Teria que saber. Marcou
tão rápido um encontro, e depois outro, e mais outro, e não parou mais. Até que
ficou enlouquecido, e um mais apaixonado que o outro, os encontros não paravam
de acontecer, e na paixão fervorosa, quente e imaculada das posições dos nobres
indianos inventadas por Mallanaga Vatsyayana, acabaram sendo pegos pelos laços
do envolvimento verdadeiro. Ele a tomou nos braços e perguntou, “Aceita?”.
“Sim, eu aceito”. “Então vamos escolher juntos um número novo para amanhã”.
“Melhor ainda.” Ela diz, e continua: “Vamos escolher dois, um para cada, como
sempre fazemos”.