Marcaram
o primeiro encontro num hotel, refinado, moderno, cama king size plus, cortinas
claras, janelas enormes. Ela, Bathscheba, descendência de Davi, dois anos de
krav maga, cientista política, escritora renomada internacionalmente, porém,
solteira. Havia passado anos ocupada em se compreender intelectualmente, Trinity,
Oxford, faculdades renomadas afora e brasileiras. Compreendeu que seria a hora
de debruçar-se em um homem sensível que se inclinasse aos seus caprichos e ao
seu charme. Alta, de ossos largos, cabelos marrom, sardas marrom, olhos negros
como uma noite de inverno gelada nos centros antigos e dominados por
estrangeiros em Dublin. Havia se sentido fascinada e cativada por quem havia
conhecido em um aplicativo de encontros. Encontros ou desencontros, nunca se
sabia o que haveria depois, os modos, a cultura, a família, os assuntos, as
pretensões do futuro. Tudo poderia se afugentar e banir um amor tecnológico
vigiado por criptografias e raciocínio lógico como possibilidades e verossimilhanças.
Ele era Isaac Cohen, tribo de Levi, cinco anos lutando pelo exército israelense,
agora aprendiz trainee do serviço secreto. O Mossad havia lhe ensinado tantas
coisas que dificilmente confiaria em alguém prontamente, com desembraço fresco
como um sopro. Loiro, olhos azuis, barba por fazer, alto e forte. Andava com
uma automática presa a um cinto. Duro, de coração desconfiado, achava-se feio e
desajeitado. Ela linda e com sensibilidade habitual. Ele, duro, resistente e
inflexível. Não acreditaria que uma moça tão gentil e bonita estivesse
realmente com vontade de vê-lo, de passar uma noite amorosa com Heineken, vape,
música, fraternidade e abraços apertados e enlaçadores, unidos, ligados ao
íntimo do afeto. Ela chegou no hotel por volta das cinco e meia, tomou um
banho, ligou música, um folk indie manso e romântico. De repente se sentiu
maluca ao encontrar um homem totalmente desconhecido com quem havia falado por três
meses apenas no celular. Mas já estava ali, pagara o hotel refinado, a
curiosidade de pagar para ver seu lindo Cohen loiro de olhos azuis a fazia
permanecer, olhando o horizonte minado de prédios com algumas luzes já acesas,
sentada no sofá, fumando um vape com sabor de nozes. “E se ele for um neonazista,
agora que estou fadada ao perigo.” Em seus seios, por baixo do soutien, colocou
seu punhal, no pulso, colocou braceletes ingleses pontudos e afiados, por cima
uma jaqueta grande e quente. Ele demorava. “Como alguém pode renegar uma mulher
livre que paga um hotel por uma noite?” Começou a achar tudo estranho, turvo
como um rio que não se enxerga suas profundezas. Isaac Cohen permaneceu em pé,
fingindo olhar o celular por quase uma hora, observando os hóspedes que entravam
e saiam do hotel. Por vezes dava uma volta no quarteirão para olhar todas as
janelas. Não havia nenhuma indiscreta. “Armadilha, rebelde palestina, aiatolá,
neonazi, o que era aquela mulher cheia de palavras e discursos bonitos que
havia dito se apaixonar por ele?!” De qualquer forma, guerreiro como era, já às
sete da noite, fez o check in no hotel. O elevador subia enquanto ele se preparava.
Bateu na porta, com a arma em prontidão. O coração dela acelerou em pulos de
ansiedade e medo de um suposto perigo. Mas havia a curiosidade quase fatal que
era maior do que a cautela. Abriu a porta com um sorriso e deu um passo atrás,
com punhos acirrados. “Como você é lindo!” Ela disse. Ele entrou, fechou os
olhos dela com uma mão e disse, espera, não se assuste. Revistando-a conseguiu encontrar
o punhal e os braceletes ingleses. Com a automática em sua cabeça, consumiu “Mossad,
não faça movimentos bruscos que sou mais forte que você”. Fez ela retirar seus
pertences da mochila, da bolsa, abrir o guarda-roupas, gavetas dos criados-mudos.
“Tudo bem, quem é você?!” Perguntou Isaac, colocando-a na cama e guardando sua
arma. “Como você ousa duvidar de mim, meu guerreiro amado se transformou num
guerrilheiro imundo! Desde quando isso são modos de começar um encontro? Acha
que sou o quê? Uma persa do Irã com uma bomba escondida vindo ao Brasil atrás de você que é
um trainee do Alyah Bet, pois do contrário não se identificaria como sendo um
Mossad. Você deveria saber que isso é um segredo soturno e perpétuo!” “E você,
Batscheba, aonde estava sua cabeça de começar um encontro num hotel? Achou que
poderia se defender de um soldado israelense com um estilete e braceletes ingleses?
Que maluca que você é! E ainda tentando se movimentar com uma krav maga armadora!
Francamente, você é doida demais!” Ela começou a chorar, sentada na cama,
abaixou a cabeça e levou suas mãos aos olhos. Ele ficou imparcial, observando
por alguns segundos. Depois se sentou ao lado dela, com a pistola apontada para
o chão e perguntou “Por que está chorando?” “Eu achei que fosse ser uma noite
bonita, mas olha como você me conheceu!” “Me desculpe, foi um pouco de
precipitação de minha parte. Mas você tem que entender, nem sempre uma mulher
linda me paga um hotel e me promete uma noite perfeita.” “De modo algum, a
precipitada fui eu, de qualquer modo você poderia fazer o que quisesse comigo,
estamos sozinhos nesse quarto, mas me apaixonei pela sua atenção, não é sempre que
um soldado israelense se mostra tão sensível para um amor de confiança.” “Levante
a cabeça.” Disse ele, colocando sua automática na mochila. “Respira fundo,
vamos começar de novo.” Seu corpo não perde para uma mulher de vinte, você é
forte e muito sério pessoalmente, o que é isso, um vape, posso pegar, ah, se aproxime
de mim, vem cá, não se faça de durona, você está apaixonada por mim, a paixão
se estraga pela desconfiança, mas uma chance você tem de reverter esse processo
maluco, quer ser minha meidala essa noite, quer ser meu yudio. “Acho que mais
sincero e mais esclarecedor nosso encontro não pode ser”. Disseram os dois, e o
primeiro beijo apareceu na noite alegre, nuvens rosas e pesadas de chuva,
pessoas transitando pelas ruas, os recepcionistas do hotel tranquilos, o café
da manhã seria na cama...