quinta-feira, 24 de março de 2022

Aqui cabe um chapéu branco

 

Era uma vez uma menina que nasceu brilhante, sua vida e seus pais, tudo brilhava tanto que chamavam a atenção de outros olhares. A menina criança brincava sozinha na sua pequena casa com jardim de margaridas, alecrim, hortelã e rosas. Seu umbigo havia sido plantado na roseira para que, se caso alguém lhe fizesse algum mal, ela renasceria bela como a rosa novamente. Certa tarde, um senhor vendo a criança brincar tão só, passou a ir conversar com ela todos dos dias. Para o espanto daquele rico, elegante e sóbrio senhor, a menina de certa forma controlava para lá para cá seu pequeno trenzinho vermelho de um dedo e meio enquanto sorria com a mágica. “Deixe-me ver você fazendo isso de novo, consegue com essa aliança?” A aliança dourada ficava em pé e caía, ficava em pé e caía. “Nunca vi nada igual, princesa. Vou falar com seus pais.” Dizendo que eles teriam milhões de dólares em ações da bolsa de valores, em troca, deixaria que ele educasse e patrocinasse todos os estudos da pequenina. Entre muitos choros e lástimas dos pais, resolveram que ela teria que se adaptar, caso contrário, nada feito. Mas a guriazinha sequer saiu de perto do pai, agarrou a calça jeans do progenitor e foi irremediável com assertivos nãos. “Mas eu sou muito rico”. Dizia o agora pobre senhor. “Não, não, não, não.” “Aquilo que você faz com seu trenzinho, você pode fazer muito mais, pode fazer com muitos mais brinquedos!" “Não me importo. Não, não, não. Você não é minha família.” Os pais chateados de tanto orgulho e alegria disseram, “é, desse jeito ela não vai, é melhor o senhor se esquecer desse projeto.” “Então deixa eu tentar levá-la para conhecer minha família, quem sabe ela gosta.” “Não, de maneira alguma, nem conhecemos o senhor direito.” E o pobre homem fingia um passeio quase todos os dias pelos arredores da casa, então, tiveram que se mudar de cidade, os pais, a menininha e a bebê irmãzinha mais nova. Arrematadores terríveis da infância que a menininha encontrou nesta pequena cidade no sul, ao se desenvolver criança mais linda, oradora da turma, ágil em todas as matérias, vencedora de concursos de redação e de feiras de ciências, apalparam seus peitinhos, a jogaram no chão cheio de erva daninha e terra arenosa, transformando-a numa prostituta aos oito anos de idade, sem que ela tivesse a mínima ideia do que estava ocorrendo ali, só sabia que tudo lhe doía por dentro e por fora, do coração ao corpo, da vergonha à raiva embutida, por isso fechou os olhos e desmaiou. Depois daquilo, só conseguiu tirar D em matemática, e começou a ver que às vezes era melhor agradecer simplesmente por estar viva. Mudou-se de cidade novamente e aos treze sofreu bullying, aos vinte estava sozinha, abandonada pelos colegas porque o pai fora à falência, sem namorado, sem a doçura da juventude ensolarada. Mas ela sabia de uma coisa quando olhava para trás, seu crescimento não havia parado, e ela não era tal como uma samambaia paralisada esperando por mais um dia úmido de alimentação. Percebia-se pequena perto do que o misterioso universo queria lhe fazer crescer. Abriu livros e mais livros, prestou concursos, fechou um novo círculo de amigos, dessa vez cheios de ternura e bondade, e abriu uma caixinha no word chamada “doc”. Ela nunca mais foi a mesma. Desde então, vem sendo homenageada justamente e idoneamente, ora ganha algum prêmio de destaque, ora um prêmio de honra. Sua sabedoria havia crescido, conhecera amigos esplêndidos pelos quais fazia uma prece quase todas as noites. De vez em quando ainda desligava o bluetooth do fone de ouvido sem querer, quero dizer, com a mágica, ou fechava uma porta de um armário, ou apagava e ascendia a luz de seu quarto, Mas ela não tinha mais controle, tudo  o que ligava ou desligava era através de seu inconsciente, e quando ficava brava então, dio santo padre! Era um tal de pisca pisca na luz do seu quarto que até mesmo ficava sem graça se alguém entrasse repentinamente. Agora essa pequena menininha se tornava uma grande mulher, mas alguns traumas de seu passado ainda não a permitiram galgar tantos novos degraus assim. Ela estuda todas as noites depois que chega do trabalho e nos fins de semana todo.

Seria muito bom se alguém pudesse apoiá-la, e em troca, ela pode até escrever um conto de sua preferência.

Quem puder contribuir, ela se compromete a escrever.

PIX: natholiveiracami@gmail.com

P.S. Ela ama demais todos os leitores e agradece por cada um deles no mapa das estatísticas. Mas do que ela precisaria mesmo era de um bom e belo chapéu branco...Como desses de Carmen San Diego

TE havendo superávit, ela ajudará os Médicos sem Fronteiras e a Cruz Vermelha com doações.



sexta-feira, 11 de março de 2022

O conto do anjo esquálido

 

Sonhei que estava num campo desalumiado, um lugar aberto, anuveado por pesadas nuvens negras e acinzentadas, que delas às vezes caía uma garoa fina e gelada que fragilizava até a erva daninha do mato. No vale afora não se via nada, apenas se sentía o vento frio e a dor das almas perdidas e retraídas e suas maldades, que eram atormentadas pelo anjo esquálido. Corri para ele e perguntei, por que nem todos possuem o mesmo valor? Por que uns são bons e outros são maus? Então quem me contou foi o anjo, o anjo negro, magro, ossudo, cheio de maldades, o anjo esquálido. Disse-me que existem pessoas nesse mundo que estão cheias de vitalidade, mas que na verdade não têm alma. Como se elas fossem uma cabeça de fósforo já riscada, dela não pode mais sair o fogo. Como se elas fossem milhares de cabeças de fósforos que já riscadas andassem por uma mata que estivesse sido queimada, as cabeças cinzas na mata cinza, tanta  cor que não tem que o choro é até espinhoso, quando se chora, dos olhos saem espinhos. Quando se ama, da boca sai o vômito. Quando se pede perdão com uma mão, com a outra lhe arranca um punhal. Quando se dorme, a navalha rasga a carne. Quando chove, inves de adubá-los, eles morrem. É assim que acontece com as cabeças de fósforo já riscadas. Eles são seres humanos, mas sem alma, quem deu vida a eles foi apenas o relógio bestial do funcionamento dos rins e do batimento cardíaco, fora isso, são como um copo de plástico. As pessoas boas e honestas são como cabeças de fósforo não riscadas, para elas, cada acontecimento da vida há uma chama para brilhar, uma nova surpresa, como um rajar de felicidade. Elas não se cansam em felicitar, em elogiar, em enebriar-se de prazeres lúdicos, de sonhos bons, de respirar novos ares. Para elas uma estrela no céu que brilha é um motivo para seu sorriso também tenha brilho aquí na terra. São purezas como anjos fofos de cabelos brancos, sabem que jamais serão bons o suficiente, e por isso tentam ser cada vez melhores. Não importa se são ricos ou pobres, pessoas de cabeças de fósforo não riscadas podem ter pasado fome um dia, mas quando forem cuidar das moedas da igreja, não levarão um centavo para a casa. Já as pessoas de cabeça de fósforo riscada podem ter tido casa no lago, terraço europeu, e quando houver oportunidade, destruirão em pó a igreja do anjo fofo. Tome cuidado, disse então o anjo esquálido para mim, existem mais anjos esquálidos como eu, e eles dissseram estar sedentos por mais poeira, mais sangue e menos fofura. Fique bem atenta, se não houver mais guerra, daí não haverá. Mas se houver a terceira, daí haverá a quarta e assim elas persistirão. Então olhei para o anjo esquálido e disse, não é assim, os anjos fofos vencerão quantas vezes forem preciso, suas cabeças de fósforo hão de se acenderem em incontáveis ocasiões, não somente pela moral de que o bem sempre vence, mas porque não tem coisa melhor do que rir de felicidade, jorrar vitalidade, sentir o brio, respirar o vento fresco e desejar o amor ao próximo. Inegável, disse o anjo esquálido sorrindo um sorriso analítico e me abraçou. Quando saiu de mim, observei o tempo e tudo estava mais claro, as almas perdidas haviam se tornado arrebentos de diversos verdes, de diversos tons. Então pensei que coisa boa que era dar cor ao cinza, dar fofura aos espinhos inescrutáveis dos desprazeres dos açoitos dos desamores e dos infortunios desta vida.

 

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quinta-feira, 3 de março de 2022

Café infinito sem inverno tímido

 Dizendo oi ao outono...

O

 outono estava chegando, já podia se sentir o vento fresco arrefecer a sua face. O dia começa a ser mais curto, às cinco da tarde o sol caminhava misteriosamente para seu horizonte a se esconder. Suas primeiras blusas de linho eram pouco a pouco retiradas do fundo do guarda-roupas. A janela do quarto permanecia aberta ao dormir, mas agora se encolhia numa manta sedutora e gentil que amaciava inclusive suas piores noites. Na volta para casa, pegou um café expresso na padaria e aproveitou o ar arejado do outono póstero para saborear a bebida quente e interromper as acrimônias da vida por certo instante.

Mas a rispidez voltara logo, com o primeiro sinal de arrogância de sujeitos ao desenrolar de seus passos pelo calçadão do pequeno vilarejo. Nem era tão pequeno assim. Ela inclusive pensava que havia gentes demais. E se lembrava da parcimônia generalizada de quando era criança e corria de braços em braços dos adultos que se encantavam com sua tagarelice ao redor de suas gordas bochechas, de suas perninhas rechonchudas e pezinhos tortos.

Por vezes, até mesmo pessoas indesejáveis a tomaram pelos braços e rodopiaram com ela pelas ruas da velha cidade cafeeira. Mas o que importava era que no final do dia estava lá, com seus pais, admirando os primeiros deuses que conhecera em vida.

Seu pai ensinou a ela como jogar dama, xadrez e gamão. Também a convenceu a ficar longe de jogatinas, e passar a quilômetros de distância de qualquer cassino em Las Vegas, mesmo que tivesse a maior quantia em dinheiro do mundo. Ela até que se fazia boa jogadora, sabia perder. Ou como dizia o pai, “és uma boa perdedora!”. Mas das poucas vezes que ganhava, surpreendia-se com os golpes que dava no adversário: rastelava as peças de modo a não ter reparo.

Mas ela não conseguiu mais ter sonhos, tampouco conseguia se distrair ao caminhar pelas ruas. Em meio à intolerância civil, à guerra cibernética, à guerra da Crimeia e de Kiev, à pandemia do Covid, aos olhos vedados do mundo angustiado, seus pesadelos se tratavam da rispidez excepcional do ser humano. Nada na história era tão assustador quanto a incomplacência demasiadamente inflexível do momento. Como se os espíritos do homem cuspissem o fogo diabólico do ódio.

Dessa forma, não havia nela um passado bom, por mais que fosse bom. Pois havia de se beber tanto café para as acrimônias, e havia de se proteger tão fortemente contra as mentes de juízo satanista, que pensar num mundo bom para ela, dava-lhe a sensação de ser roubada por morcegos sugadores de sonhos, aqueles enlaçados sob fantasias intrincadas na forma de pessoas empipocadas no mundo.

Mas o outono era uma nova esperança. Mesmo que não tivesse sonhos, mesmo que fechasse os olhos e ouvisse apenas barulhos do inconsciente humano revolto e tempestuoso, a própria presença do outono era um grande presente. No tempo de sopro frescor na face fatigada, o momento de estar já era um sonho muito bom. Era assim que ela vivia o pesadelo da era contemporânea, sempre em busca da vivacidade da aura fresca do outono, ou de uma manhã gelada cheia de gelo no inverno. Naquele sol abaixo do Equador, ela sobrevivia na maior parte do tempo para dar verdadeira sobrevida à vida por um curto período do ano. A única coisa com o que podia sonhar sem ser acordada pelo marasmo apocalíptico do novo tempo era com um campo gelado, um pesado casaco de frio e uma toca de lã grossa protegendo sua cabeça do vento gélido. Ela no íntimo aguentara até ali porque sabia que este lugar existia em vida. Ela sabia que o chão que havia em sua terra havia nos gelos também, e que por isso poderia chegar lá. Enquanto isso, fechava os olhos nos dias bem frescos da sua velha cidade e desejava que o café do copo fosse infinito, que o anoitecer não acabasse e que nem o outono e o inverno chegassem tímidos naquele ano. 



A ditadura de anticristo se chama Revolução da Luz

Busquei a coragem do lado de fora do quadrado, que era a janela pequena do quarto azul e gelado, algumas mulheres, Escabosa, e uma órfã. A t...