Só se ouviam barulhos de demônios,
batidas de martelo do lado, passos de sapatos de salto, que corriam dezenas de
vezes em volta da piscina, tudo isso após a meia noite. Luna York sabia que
jamais poderia abrir o portão em direção à piscina, primeiros as flores,
temperos, coqueiros, um pé de babosa, de espada de São Jorge e Comigo ninguém pode;
também macieira, limoeiros, jabuticabeiras, acerolas, pé de boldo e de ervas
para banho. De nada adiantava se restar uma Bella (Crepúsculo), no final do
dia, sempre ao canto da cama, era a mesma Macabéa imersa n´alma nebulesca. Luna
York terminava um dia se colocando acolchoada por travesseiros e mantas, andinas,
argentinas e mantas das avós, jazidas em corpóreo terrestre, agora em etéreo. O
mundo já conhece materiais etéreos, o sexo provoca um tipo, raiva outro, a saudade também outra, ao menos
deveria saber e desencorpar a incredulidade e o ceticismo. Éter: o corpo da
alma. Luna olhou através da janela de vidro empoeirada e esquecida na parede. O
vidro havia sido agredido por um cabo de vassoura, sendo assim, Luna York encostava
a mão direita nos trincados e riscados, empurrando para ver se os colocava para
fora a fim que observasse melhor a escuridão da névoa de um orvalho, mais uma
vez, eternamente seco pelo calor do dia. Nem orvalho mais. Nem pandas selvagens
nem orvalhos. O trincado foi ficando solto e Luna havia feito uma espécie de
olho vivo pela janela. Olhou para o quintal do fundo da casa ao lado. Ouviu temidos
passos de lobos e gatos do mato, uma raposa no muro parou e a fitou, por meia
hora. Luna, por um momento, pensou a raposa ser um guru. Mas ela desconcentrou
o olhar atento e por isso a raposinha saiu em disparada speed esperta. Saiu no
quintal dos fundos para fumar um cigarro e no meio da noite ouviu dezenas de
bestas feras de duas cabeças latindo do alto da montanha sem orvalho. O seu
anjo negro apareceu com asas espremidas gritando em berros roucos e assustadores,
mostrando seus dentes aos montes, afiados. Ele, o anjo negro, era o único
demônio do mundo enviado por DeusS para que cuidasse dos guerreiros, como Luna,
que era uma. O anjo negro cavalgava um cavalo branco alado, com pedras
coloridas no topo da cabeça, redor das orelhas. Olhou novamente para o lado
negro do quintal dos fundos, um anjo de vestimentas de linho branco sobrevoou
perto da macieira. Olhos estatelados, apagou o cigarro e voltou para a cama. Acantou-se
no canto da cama, entregue aos travesseiros e às matas. Ao adormecer, ela viu
seu anjo da guarda com as mãos lhe protegendo. Ela se fez acordar por uns segundos,
quando o anjo, o seu anjo, falou sem mexer as mãos, a boca e a cabeça
aureolada: “Sofia, durma, não olhe, você não pode, porque não aguenta”.
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