Lolô e Nino, o niño Nino.
Havia uma vila na parte sul da cidade
onde habitava uma viúva, um cachorrinho, uma gata, plantas, flores e rede. Lolô
a dona e o seu cachorro Nino jamais haviam ficados separados nem por um dia
inteiro. Mas ela queria sair um pouco do campo e ir além fronteiras bem ali, na
Argentina, dançar tango, comer bife de um boi inteiro com um quilo de batatas
rústicas, beber vinhos, comer pães com azeite, azeitonas e pechinchar desconto
em peças de couro argentino. Isso seria maravilhoso para Lolô, a gata Cacau
poderia ficar hospedada na filha Yô. Com quem ficaria o Nino, o cãozinho
arrematador? Nino ficaria na casa da tivó Marlye, afinal, ali estava seu primo cachorro,
um shitsu paciente e dorminhoco, um cão imigrante do Himalaia.
Ali vivia o Otto, que por seu sossego era
chamado de príncipe-monge do Himalaia. Otto era um completo felpo de pelos
brancos que escorriam chão abaixo. Não pulava na cama, nunca havia mordido um
chinelo na vida, ficava no colo de todo mundo, parecia sempre estar sorrindo
num estágio elevado, e seu olhar era zen, como buda.
De manhã o Otto tomava sol, à tarde ele
assistia a filmes com a Marlye mãe, à noite ele virava um caracol nas cobertas
da Ná. Nino, o cão caos, nem vinte centímetros de tamanho, um felpo, um peludo
caramelo e acinzentado, um cãozinho com apelido de demônio da Tasmânia. Outros que
eram seus vizinhos também o chamavam de Ninão-Furacão 2000, por onde passava
tudo se tornava um tornado.
Na primeira noite de sua hospedagem em
casa de Marlye mãe, ele batia de porta em porta, pedindo um canto da cama. Fez greve
de fome por um dia e meio. Ele tinha que andar no mínimo duas vezes por dia, do
contrário ele não parava de latir, por ser hiperativo e ter ansiedade em grau avançado.
Quando começava a latir ficava nessa permanência em longos e agudos minutos,
como buzina estarrecida que rosnava garganta afora.
Nino aparentemente era um ursinho
carinhoso, mas tinha expressão enfezada, olhinhos de ataque, cabeça pra frente
e nariz aguçado. Certo dia bem de manhã, Ná precisou ficar com as mãos
estendidas em posição de afago na cabeça de Nino, para que ela pudesse estudar
sem a 5° Sonata de Beethoven em tom agudo estridente em ré menor no latido interruptamente.
Certa manhã com Ná na piscina, o Taz
chegou correndo feito uma raposa, em direção ao pomar que ficava metro abaixo.
Ná num grito generoso, parecendo uma militante, fez Nino parar imediatamente um
palmo diante de um propício acidente com patas de cachorrinho de cor e saltos
feito raposinha num planeta só dele, e claro, de Lolô. Às vezes o cão ficava
arranhando a porta de entrada, farejando de canto em canto, olhos arregalados,
atinado, em desespero procurava por sua dona e companheira fiel.
Ná perdeu na corrida de Nino levando-o
para passear, ela cansou, mas percorrer dois mil metros acima não satisfez a
angústia da demora de Lolô e o animalzinho da Tasmânia esperava então pela sua
hora de passeio no fim da tarde.
Ao acordar de manhã, Ná se deparou com
Taz e o preparou para ir embora, lembrou que sua dona-mãe Lolô já havia chegado
e ele já ia pra casa.
Ná colocou água para ferver, abriu o
portão para o piscineiro, escovou os dentes, lavou o rosto, sentou para tomar
café...Tudo muito gostoso numa manhã ensolarada e aconchegante de inverno,
quando tivó Marlye falou assim, psiu, o Nino já tá na casa da Lolô.
Como assim? Urso enfezado havia saído
por um vão entreaberto do portão. Chegara ofegante na casa de Lolô, essa, de
cabelos em pé! Nino!?! Nem deu tempo de ela saber direito o que estava
acontecendo, quando tivó recebe outra ligação, era Lolô dizendo que Nino havia
fugido, saíra correndo morro acima. O Nino percorreu o planeta, deu volta ao
mundo em quinze minutos, foi mais que um foguete feito luz, e reapareceu veloz
como um piscar de olhos diante de sua dona e companheira fiel. A bronca ficou
com tivó e Ná que deixaram o pequeno Nino sair. Mas tudo bem, afinal, cuidar de
um ursinho enfezado com codinome de demônio da Tazmânia não era tarefa fácil.
Mas foi uma boa vivência, um bom fim de
semana, dias repletos de uma rapozinha saltitante, com a garganta saindo pelo
latido. Ainda bem que ele chegou em ótimo estado na casa de sua dona Lolô. Deve
ter chegado com um pouco menos de garganta no grito, talvez tenha aprendido a
ser menos ansioso com o Otto, imigrante do Himalaia. Mas Nino na verdade, seria
sempre ele mesmo, o próprio cão da garganta enguiçada como gralha-azul, em
posição de ataque e olhos de rapina, como se fosse dar uma voadora no pescoço
de alguém, aquele cãozinho que pede atenção em todos os momentos da mãe, e late
em dó maior como uma criança no supermercado que faz birra, deita, rola no chão
e berra para receber em troca disso, doces e chocolates. Nino, Nino, niño...niño
Nino.
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