domingo, 21 de agosto de 2022

De olhos fechados para o perigo

 

Marcaram o primeiro encontro num hotel, refinado, moderno, cama king size plus, cortinas claras, janelas enormes. Ela, Bathscheba, descendência de Davi, dois anos de krav maga, cientista política, escritora renomada internacionalmente, porém, solteira. Havia passado anos ocupada em se compreender intelectualmente, Trinity, Oxford, faculdades renomadas afora e brasileiras. Compreendeu que seria a hora de debruçar-se em um homem sensível que se inclinasse aos seus caprichos e ao seu charme. Alta, de ossos largos, cabelos marrom, sardas marrom, olhos negros como uma noite de inverno gelada nos centros antigos e dominados por estrangeiros em Dublin. Havia se sentido fascinada e cativada por quem havia conhecido em um aplicativo de encontros. Encontros ou desencontros, nunca se sabia o que haveria depois, os modos, a cultura, a família, os assuntos, as pretensões do futuro. Tudo poderia se afugentar e banir um amor tecnológico vigiado por criptografias e raciocínio lógico como possibilidades e verossimilhanças. Ele era Isaac Cohen, tribo de Levi, cinco anos lutando pelo exército israelense, agora aprendiz trainee do serviço secreto. O Mossad havia lhe ensinado tantas coisas que dificilmente confiaria em alguém prontamente, com desembraço fresco como um sopro. Loiro, olhos azuis, barba por fazer, alto e forte. Andava com uma automática presa a um cinto. Duro, de coração desconfiado, achava-se feio e desajeitado. Ela linda e com sensibilidade habitual. Ele, duro, resistente e inflexível. Não acreditaria que uma moça tão gentil e bonita estivesse realmente com vontade de vê-lo, de passar uma noite amorosa com Heineken, vape, música, fraternidade e abraços apertados e enlaçadores, unidos, ligados ao íntimo do afeto. Ela chegou no hotel por volta das cinco e meia, tomou um banho, ligou música, um folk indie manso e romântico. De repente se sentiu maluca ao encontrar um homem totalmente desconhecido com quem havia falado por três meses apenas no celular. Mas já estava ali, pagara o hotel refinado, a curiosidade de pagar para ver seu lindo Cohen loiro de olhos azuis a fazia permanecer, olhando o horizonte minado de prédios com algumas luzes já acesas, sentada no sofá, fumando um vape com sabor de nozes. “E se ele for um neonazista, agora que estou fadada ao perigo.” Em seus seios, por baixo do soutien, colocou seu punhal, no pulso, colocou braceletes ingleses pontudos e afiados, por cima uma jaqueta grande e quente. Ele demorava. “Como alguém pode renegar uma mulher livre que paga um hotel por uma noite?” Começou a achar tudo estranho, turvo como um rio que não se enxerga suas profundezas. Isaac Cohen permaneceu em pé, fingindo olhar o celular por quase uma hora, observando os hóspedes que entravam e saiam do hotel. Por vezes dava uma volta no quarteirão para olhar todas as janelas. Não havia nenhuma indiscreta. “Armadilha, rebelde palestina, aiatolá, neonazi, o que era aquela mulher cheia de palavras e discursos bonitos que havia dito se apaixonar por ele?!” De qualquer forma, guerreiro como era, já às sete da noite, fez o check in no hotel. O elevador subia enquanto ele se preparava. Bateu na porta, com a arma em prontidão. O coração dela acelerou em pulos de ansiedade e medo de um suposto perigo. Mas havia a curiosidade quase fatal que era maior do que a cautela. Abriu a porta com um sorriso e deu um passo atrás, com punhos acirrados. “Como você é lindo!” Ela disse. Ele entrou, fechou os olhos dela com uma mão e disse, espera, não se assuste. Revistando-a conseguiu encontrar o punhal e os braceletes ingleses. Com a automática em sua cabeça, consumiu “Mossad, não faça movimentos bruscos que sou mais forte que você”. Fez ela retirar seus pertences da mochila, da bolsa, abrir o guarda-roupas, gavetas dos criados-mudos. “Tudo bem, quem é você?!” Perguntou Isaac, colocando-a na cama e guardando sua arma. “Como você ousa duvidar de mim, meu guerreiro amado se transformou num guerrilheiro imundo! Desde quando isso são modos de começar um encontro? Acha que sou o quê? Uma persa do Irã com uma bomba escondida vindo ao Brasil atrás de você que é um trainee do Alyah Bet, pois do contrário não se identificaria como sendo um Mossad. Você deveria saber que isso é um segredo soturno e perpétuo!” “E você, Batscheba, aonde estava sua cabeça de começar um encontro num hotel? Achou que poderia se defender de um soldado israelense com um estilete e braceletes ingleses? Que maluca que você é! E ainda tentando se movimentar com uma krav maga armadora! Francamente, você é doida demais!” Ela começou a chorar, sentada na cama, abaixou a cabeça e levou suas mãos aos olhos. Ele ficou imparcial, observando por alguns segundos. Depois se sentou ao lado dela, com a pistola apontada para o chão e perguntou “Por que está chorando?” “Eu achei que fosse ser uma noite bonita, mas olha como você me conheceu!” “Me desculpe, foi um pouco de precipitação de minha parte. Mas você tem que entender, nem sempre uma mulher linda me paga um hotel e me promete uma noite perfeita.” “De modo algum, a precipitada fui eu, de qualquer modo você poderia fazer o que quisesse comigo, estamos sozinhos nesse quarto, mas me apaixonei pela sua atenção, não é sempre que um soldado israelense se mostra tão sensível para um amor de confiança.” “Levante a cabeça.” Disse ele, colocando sua automática na mochila. “Respira fundo, vamos começar de novo.” Seu corpo não perde para uma mulher de vinte, você é forte e muito sério pessoalmente, o que é isso, um vape, posso pegar, ah, se aproxime de mim, vem cá, não se faça de durona, você está apaixonada por mim, a paixão se estraga pela desconfiança, mas uma chance você tem de reverter esse processo maluco, quer ser minha meidala essa noite, quer ser meu yudio. “Acho que mais sincero e mais esclarecedor nosso encontro não pode ser”. Disseram os dois, e o primeiro beijo apareceu na noite alegre, nuvens rosas e pesadas de chuva, pessoas transitando pelas ruas, os recepcionistas do hotel tranquilos, o café da manhã seria na cama...




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