domingo, 17 de dezembro de 2023

Mar com estrelas, céu com joias

 

Era um dia de claridade acinzentada, o oceano batia gelado na costa, e o vento levava fortes ondas para serem derrubadas nas pedras grandes e lisas das montanhas costeiras. Vesti um casaco de pele ecológica, um jeans e sapatos envernizados. Entrei num carro branco e desci montanhas úmidas, repletas de tapetes verdes, folhas derrubadas ao solo, árvores de um verde molhado e rendas de cipó caindo dos galhos como brincos peruanos dos maias.

O carro descia numa velocidade leve e pesada, mas na curva mais sinuosa, deslizou-se em disparada na estrada que caia em caracol da montanha e chegava até na beira do mar. Em alta velocidade, o carro teve que parar. Parou com um carro preto tentando subir, com uma mulher loira vestida de casaco de pele branco de urso polar branco, das neves.

Ao sair do carro, a mulher de rosto chupado e cadavérica, batons vermelhos e botas de verniz vermelha, gritava do estômago que quase sairiam morcegos hematófagos de sua boca. Gritava, suba, suba, o apocalipse está na cidade, à beira mar.

Eu a segurei quando tentava subir mesmo a pé, e disse, o apocalipse acabou. Desça, desça já. Pegue seu carro e vá embora daqui.

Ao que ela se referiu ao mar de cor preta, eu disse, espere que as estrelas ainda chegam no mar para brilhar. Ela duvidava cada vez mais, e chorava lágrimas de soro e rosas de todas as  cores.

Eu entrei no carro branco, tirei de lá minha bolsa de verniz caramelo, me voltei a ela e disse, olhe, tenho o documento oficial assinado e carimbado em cartório, o apocalipse acabou! Veja, tome, é sério!

Ela pegou o papel, olhou, assinou em sangue dourado e disse, limpando os olhos vermelhos e inchados do choro da morte, acabou! Acabou! Acabou!

Vamos, desça, vire seu carro.

Ela me olhou com um olhar de calmaria azulada no profundo da neblina do rio quente da mata, olhou para a hamsá no meu pescoço e sussurrou, você é judia...bem vinda, eu sou árabe. Se o apocalipse acabou, significa que as guerras e as maledicências do planeta Terra se foi? Eu respondi com minha voz rouca de aptidão calma de quem sempre quer amansar quem está do lado de fora de mim. A guerra acabou, bem vinda também...ao saber que você é árabe, vamos, desça e formemos uma linda vizinhança! Uma vinzinhança...uma vizinhança?! Sério que quer fazer uma vizinhança? Como nós nas aldeias do Saara, entre cavalos pretos árabes, regras de etiqueta para comer com as mãos, tapetes persas e gabeh, camelos, tâmaras secas,  postas de berinjelas, e fumaças de incensos perfumados...como nós em românticos terreiros na terra batida em terrenos rodeados de pomares e calçados com folhas secas. Seres humanos da terra, com pés na terra e cabeça nas alturas, lá nos astros, nas esmeraldas e nos rubis do universo, nas nuvens galácticas...Judith Farah me olhou e disse, apontando para o mar abaixo, veja, Sofia...está escurecendo, a noite está ficando azulada de celeste célebre e pintado à tinta óleo...que céu lindo, com pedras preciosas coloridas que pesam o peso das neblinas. Olhe, Judith...apontei para o mar no horizonte, olhe e veja o mar se tornando cintilante e cheio de brilhos estelares de um futuro como pedrinhas de brilhante delicadas e amorosas! De hoje em diante, Judith, as estrelas que vemos no mar são nosso futuro e as estrelas que vemos o céu são nosso passado. Sempre precisaremos do mar para saber como lidar com o futuro...o futuro não tem muro...a morte é um tubo, não um curto circuito. Chega-se nela e começa a andar. Veja, Judith, o futuro não existe, o futuro é lá e você ainda não foi, não conhece e não sabe aonde fica, você não vai a um lugar que não chegou porque ele existe, e quando chegar ele estará em outro lugar, e cada vez que chegar ele mudará de direção. E em busca do futuro, viveremos cheios de esperanças e negro amoroso de um universo que não é o paralelo. Todos os universos são paralelos, só existe um universo verdadeiro...e esse universo é a ausência de todas as coisas, porque só na ausência toda da luz, é que se busca a luz. Veja, Judith, olhemos sempre o mar e nos esperançamos com as calçadas que irão se quebrar e se partir em rachaduras para ver as grandes raízes das mangueiras, perobas, pau-brasil, árvores de morcegos que tampam o sol de uma rua inteira...Judith consente com a cabeça e finaliza, entrando em seu carro preto e tornando a descer a serra, e as calçadas sempre haverão de ter um banco no canto de um jardim, para que possamos nos sentar à beira da sombra, e nos relaxar, observando o grupo do tai chi chuan lá longe, em outros jardins com raízes à postas. Sim, Judith, tudo agora corresponde...desça logo, não espere, desça e se encontre com as estrelas cintilantes do mar...


 

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