sábado, 31 de outubro de 2020

O que eu fiz com o queijo de Adélia

 

"Minha mãe achava estudo a coisa mais fina do mundo. Não é. A coisa mais fina do mundo é o sentimento." Adélia Prado. Era um dia ensolarado, no entanto, o vento gelado não permitia sentir calor algum, Luna olhava para o céu azul cor de turquesa claro e pedia para que o anjo da guarda a abençoasse. Via muitas pessoas que jamais tinha visto, um passar de lá e de cá de jovens com o espírito eterno da vida. Ela, muito singela em todas as ocasiões, achava tudo muito  cheio de novidades e alegrias. No entanto, estava sendo dilacerado o seu coração e sua alma, tanto que não aguentou e caiu de cama adoentada de mal do século, a depressão.

Seus pensamentos a entristecia e em sua consciência parecia haver um bloco de pedras atormentando sua áurea. Deitou-se na maca do hospital e se cobriu com uma coberta xadrez cheia de pelinhos. 

O médico chegou para vê-la, olhou, analisou e começou a lhe dizer que Luna estava mal por demais, disse-lhe o diagnóstico e sugeriu um autismo espectro, tamanha era sua mudez. Entre todas as coisas que ele dissera, haviam várias que a machucavam, a frase "você não vai sarar muito bem" foi a que mais lhe deixou um desagrado do tamanho de seu sofrimento, que era a tristeza em excesso. Ficou com tanto receio do médico que passou a ser mais muda do que a própria escultura helenista que havia no hospital.

De repente, Luna encontrou outras pessoas ali, cuja amizade lhe seria fundamental. Já não se sentia mais na escuridão pavorosa de tantas doenças que o médico poderia diagnosticar. Ao fim do dia, seus amigos e ela sentavam-se nos bancos do pátio e conversavam sobre o luar, sobre os satélites, sobre Júpiter e Saturno perto da lua. Passou a sorrir através dos ramos das amizades. Sorria tanto que chegou a impressionar os médicos e enfermeiros. Ela havia construído vínculos invariáveis com aqueles amigos. Ela podia adormecer entre o vento e o luar numa noite fria, passou a se acalmar e sentia que a vida lhe valia muito, tanto mais que a mais valia da sua cura,  trazia um abraço de sua alma com sua mente.

Quando já não estava mais no hospital, pensava o quão desagradável era estudar como aquele médico e então murmurar os males a seus pacientes, para que é preciso um diagnóstico amargo sem esperanças para o futuro? Do contrário, o amor de suas amizades era de natureza tão boa, um sentimento insustentável de leveza, como as flores que nascem na primavera, que de tão delicadas precisavam viver em grupos de brancas, lilases, cor de rosas ou amarelas. Pensava o quanto que era desgostoso era aquele médico ter um diploma e residência, que muito bem lhe receitou remédios, mas que nada sabia de amor entre os seres humanos. Era um pobre homem.

Luna pensava que, na imperfeição de um médico, surgiram-lhe outros despedaços capazes de pegarem-na pelas mãos, abraçar, chorar junto, dar gargalhadas de felicidade,  quando uma não estava boa, o restante fazia um cordão de laços de amor,  sorriam tanto que dava para enxergar a natureza de cada uma daquelas pessoas. Os diplomas poderiam até ser nulos, mas havia bondade e coração, Luna havia encontrado pessoas realmente muito sofisticadas, que são aquelas que, mesmo doentes, com problemas graves, são capazes de enxergar o outro. A sofisticação da vida está verdadeiramente na compaixão e na empatia do próximo, pois nos dias de hoje, o que é mais raro não é um diploma, nem ser letrado, mas sim estender a mão para que a outra criatura se sinta cuidada, acalantada e assim, sorria de novo com um forte abraço. Um forte abraço de um amigo sim que é luxo, ah, um forte abraço é parte da divindade, e nos faz um bem tremendo. O amor realmente é a coisa mais fina do mundo, aquele sentimento da insustentável leveza. 

 

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